domingo, 22 de setembro de 2013

Sonhos de criança

Pergunto-me em que estação me encontro. O outono já começou mas ainda não me despedi do verão. Ainda tenho sede. Não sei em que paragem sair.
As ondas da praia. As ondas do mar... Chamam por mim! Mergulho e sinto-me cheia, independentemente da maré. Ao nadar fico sem pé, quando surge um medo saudável. Medo de não ter os pés assentes no chão. Perdi o meu próprio controle. Deixo-me levar e, dou por mim a ser enrolada. Baralhada, com areia dos pés à cabeça. Mas volto a mergulhar. Apercebo-me da corrente. Deixo-me ir e, fico de pernas para o ar. O mar não está morto. Eu também não. Senti-me uma sereia medíocre num "império" sublime. Saí da água e moí o meu sonho durante uns instantes. Acordei. O sol estava a pôr-se, enquanto o céu adotava uma cor transcendente. Cor de Rosa. Assim como o meu sonho. Senti-me estupidamente privilegiada e gozei os últimos segundos de cena. O céu, o mar, o sol, parecia um teatro improvisado. Cada um com o seu papel, com a sua mensagem. Aplaudi a minha sorte. Aplaudi a minha vida. Aplaudi o meu sonho cor de rosa. 

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Emprego mal pago

Uns malucos quaisquer decidiram procriar. Diz-se paixão... 
Trouxeram ao mundo um novo ser. Eu. 
Estou dentro de um corpo. Tenho um cérebro que pensa, uns pulmões que respiram, um coração que sente. Mecanismos que permitem que este corpo aja e reaja. Diz-se organismo. 
Não tive oportunidade de escolher nem o tempo nem o espaço em que estou inserida. Simplesmente nasci, com um sexo e um nome aleatório. Mas que raio de trabalho me foram confiar. Encarar uma personagem e fazer-me à vida. Adaptar-me à evolução social e económica. Cultural e política. Acreditar que existe o certo e o errado, a sorte e o azar. Enfrentar os dias e as horas a que eu chamo barreiras, para dificultar aquilo a que chamam metas. Fui ainda limitada a 5 sentidos, 7 notas musicais e a 7 cores. 
Sou uma rés pensante. E ando para aqui a pensar, porque é que vim cá parar. 

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

É no que dá.

Ataques de insegurança, momentos sem esperança.
Sentimento suspeito, de algo mal feito.
Desespero de conhecer, à procura do prazer.
Atitude parada, estadia falhada.
Sonho esquecido, tudo perdido!

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Suposta disposição às 3:58 da manhã

Às vezes penso que sei tudo. Outras, que tenho sempre razão. Uns dias considero-me gira, acho-me magra, sinto-me bem, estou confiante e encontro-me com um humor extraordinariamente positivo. Outros considero-me horrível, acho-me gorda, sinto-me mal, estou insegura e encontro-me com um humor excecionalmente nocivo. É normal, sou mulher. Aliás, é normalíssimo. Mas apesar de tudo isso, tenho a impressão (talvez iludida) de que penso bastante. Umas vezes melhores que outras. Depende da disposição.
Se calhar diria que tenho um certo ciclo a cumprir. Depois de ver o mundo pela primeira vez, é obrigatório receber visitas de meia em meia hora e ver todo o tipo de caras sorridentes e os seus gestos simbólicos, idênticos à mímica, a movimentarem-se em direção à minha nova cara. Vou crescendo, aprendendo a dizer "mãe" e "pai" e a dar uns passinhos com um intervalo de 5 minutos de quedas frágeis pelo meio. Depois de completar a pré primária e o 1º ciclo, já devo ter tido umas 5 bonecas de brincar, uns saltos altos brilhantes para um pé de semi-princesa. Em seguida, passo pela fase da bicicleta sem rodinhas, das coleções de cromos e jogos de cartas. Mais tarde, a matemática complica-se, as responsabilidades triplicam e os telemóveis já são a cores e recebem fotografias. Começo a ter as primeiras festas de dança e no cinema, a viver ridículos amores escolares e a perder muito do meu tempo com inúteis discussões de roupa com as minhas "melhores amigas". Até que faço 16, e tenho de decidir uma área, que restringe as portas do meu futuro a todos os níveis. A minha mãe ainda me leva à escola e nem o arroz sei cozer, mas já tenho que ter em mente que tipo de vida quero levar, que tipo de emprego quero ter. Esforçar-me para as boas notas. Sem esquecer as saídas até às 5 da manhã a dançar em função da música comercial, as idas ao ginásio 2 vezes por semana para compensar as tabletas de chocolate comidas numa só tarde, acompanhar a minha série preferida que relata a história de vida de uma série de pessoas que não existem realmente e as idas constantes e diárias ao facebook, que me deixam a par das novas fotografias do rapaz giro de olhos verdes e da rapariga com pernas altas e esqueléticas. Depois, tento conjugar a minha função de estudante exemplar, filha educada e amiga presente, com a função de realização pessoal momentânea. Quando fizer 18 anos tenho 150 convidados para a minha festa, que promete ser a melhor do ano. Já estudo para tirar a carta de condução e agora passo a tomar decisões por mim própria. Acabo o secundário. Tenho que ter média suficiente para entrar numa boa universidade com um curso acessível. Se falhar, passo um ano a melhorar notas ou vou trabalhar num café para ganhar umas massas. Fazer-me à vida. Viagens curtas com amigos. Festas da faculdade. Namorados a curto prazo. Ter os famosos "melhores anos de sempre". Conhecer o homem da minha vida e casar-me com ele. Arranjar um emprego, construir uma família. Ter uma casa. Se possível com jardim, piscina, um cão e no mínimo uma empregada que me arrume e limpe a casa, cozinhe e trate daquilo que for mais chato. Fazer grandes jantares com entradas requintadas e abrir uma boa garrafa de vinho. Ir correr quase todas as manhãs. Beber café e lanchar com as amigas quase todos os dias. Ir ao cabeleireiro quase todas as semanas e aos fins de semana, ir jantar com os filhos a casa dos avós. Os anos passam a correr. As rugas aparecem, a paciência diminui e o cansaço aumenta. Agora vejo televisão durante o dia e sou eu que recebo os netos aos fins de semana. Costumo ir à praça e à missa. Café com leite e torradas com geleia sempre presentes. Enfraqueço. Acabo por ser enterrada. Relembrada. Razão de missas e intenções. Provocadora de choros de saudade e momentos de boa recordação. Marquei certas pessoas, mas já me fui embora. Para um sítio melhor.
Esqueci-me de alguma coisa? 
Hoje a disposição chegou a um rascunho de nada sobre o que é, para mim, viver:
Nascer, respirar, chorar. Rir, falar, andar.
Ser criança. Ser adolescente. Respeitar a minha tensão hormonal. Aprender a pensar e não a obedecer. Imaginar o meu futuro. Talvez arranje um curso que me suscite um certo interesse cultural, intelectual e pessoal. Lutar por aquilo que realmente quero fazer, mesmo que pareça impossível a olhos alheios. Encontrar o meu futuro dentro ou fora de uma universidade. Experimentar o que tenho a experimentar. Conhecer novas caras e personalidades. Explorar novos sítios. Encontrar-me. Encontrar o meu verdadeiro lar.
Dormir. Sonhar. Acordar com sono, e namorar a cama por mais um instante. Lavar a cara com água fria e olhar positivamente para o espelho, mesmo com uma nervosa consulta ou uma irritante borbulha na testa. Vestir-me em 10 minutos, com aquilo que eu gosto sem pensar se fica a condizer. Dizer "Bom dia!". Saltar para a cozinha e fazer uns ovos mexidos com queijo e orégãos.  
Sair de casa. Apanhar ar. Reparar nas coisas pequenas que me passam à frente dos olhos e do coração. Com 20 ou com 50 anos.
Cheirar uma flor apanhada do chão. Andar sem meias e sapatos. Tomar banho de chuva. Ver fotografias antigas que criam nostalgia. Ouvir uma boa guitarrada. Ler um grande poema. Gritar no cimo de uma montanha. Lamber a massa que restou do bolo. Contar as estrelas. Falar com um estranho. Ajudar um perdido. Rir sem propósito. Andar sem medo. Dançar sem vergonha. Dar sem tencionar receber. Ver o mundo com todas as cores. Aprender a lidar com a boa e a má notícia. Saber ouvir uma crítica e um elogio. Saber pedir perdão e aprender perdoar. 
Explorar! Procurar! Questionar! Chegar às minhas conclusões. Decidir as minhas opiniões. Revoltar-me contra clichés, padrões de vida lançados, preconceitos e juízos pré-definidos. Criar uma revolução. Tornar-me independente. 
Sentir-me concretizada com ou sem casamento, com ou sem emprego fixo, com ou sem casa com piscina e jardim e festejar com ou sem uma garrafa de vinho. 
Fazer-me à vida!  
Criar vários caminhos e seguir a estrada certa. Afinal, é disso que é feita a vida, caminhos e estradas, não é? Vou viver supostamente à minha maneira. Se assim for, supostamente vou ser feliz!
Mas a esta hora, o suposto era estar na cama...